Acessibilidade
Nos últimos anos, a relação das mulheres com a beleza vem passando por uma mudança consistente, embora sem alarde. No consultório e nos principais eventos internacionais da indústria da beleza, como a Cosmoprof, é possível perceber que o luxo deixou de ser associado automaticamente ao preço. Hoje, ele se aproxima mais de critérios como eficácia, ciência e coerência com a vida real.
A consumidora atual avalia com mais critério. Ela não busca apenas uma marca reconhecida; procura produtos que façam sentido para o seu estilo de vida e ofereçam benefícios concretos. Relatórios da McKinsey mostram que quase 70% das decisões de compra já são intencionais, orientadas por evidências, e não mais por impulso. Segundo a Euromonitor International, vários aspectos do mercado de beleza e cuidados pessoais estão mudando de forma significativa – e os dados reforçam parte da sua premissa de que o luxo está sendo redefinido.
Essa mudança se reflete na rotina de cuidados. Vejo cada vez mais mulheres interessadas em fórmulas objetivas, com ativos bem estudados e tecnologias que respeitam o funcionamento natural da pele. Nesse cenário, a indústria brasileira ocupa um papel importante. O Brasil mantém-se entre os quatro maiores mercados de beleza do mundo, e grupos como O Boticário e Natura vêm apresentando resultados sólidos ao combinar pesquisa, inovação e acesso.
A Euromonitor mostra que o Grupo Boticário não está crescendo apenas em maquiagem, fragrâncias ou linhas de uso geral. O crescimento mais forte deles está acontecendo justamente nas categorias de skincare mais técnicas, como séruns com ativos específicos (retinol, vitamina C, peptídeos) usados como antioxidantes, dermocosméticos com foco em tratamento e linhas com comprovação clínica de eficácia. A Natura também cresce, mas seu diferencial apontado pela Euromonitor é o conjunto que une ciência, ativos e responsabilidade socioambiental.
“O luxo contemporâneo é mais discreto, menos centrado na ideia de exclusividade e mais voltado à confiabilidade.”
Ao mesmo tempo, observa-se a expansão do segmento conhecido como masstige, que aproxima preço e desempenho. Estima-se que esse segmento cresça acima de 10% ao ano no Brasil, reduzindo a distância entre produtos premium e acessíveis. Na prática, isso significa que a performance deixou de ser limitada a poucas marcas.
A programação prévia da Cosmoprof Worldwide Bologna 2026 sinaliza esse movimento. As áreas voltadas ao luxo enfatizam propósito e consistência, enquanto o pavilhão de mass beauty destaca soluções acessíveis com tecnologia.
Não considero que estamos assistindo ao fim do premium, mas sim a uma revisão de seus fundamentos. O que se mantém é aquilo que entrega resultado com clareza e que se apoia em ciência. O luxo contemporâneo é mais discreto, menos centrado na ideia de exclusividade e mais voltado à confiabilidade.
Na prática clínica, isso se traduz em entender que a estética depende de equilíbrio. Naturalidade não significa ausência de intervenção, mas, sim, intervenções adequadas, compatíveis com cada paciente. No fim, a beleza que permanece é a que funciona de forma integrada ao corpo – aquela em que clareza e respeito à biologia e saúde constroem, ao longo do tempo, o verdadeiro valor.
Letícia Nanci é especialista em Dermatologia pela Associação Médica Brasileira (AMB) e pela Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), membro efetivo da SBD, da Academia Americana de Dermatologia (AAD) e da Sociedade Brasileira de Cirurgia Dermatológica (SBCD)

